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Democratizando um elefante


Franklin Martins nos concedeu esta entrevista no dia 25 de maio deste ano, durante sua passagem em Porto Alegre para debater a comunicação na era da internet. Nem duas semanas depois, a onda de protestos que tomaria conta do país começava a crescer. Depois de passar por Porto Alegre, Natal, Salvador e Goiânia, ela chegava com tremenda intensidade a São Paulo. As manifestações do dia 13 de junho, reprimidas com brutalidade pela polícia, em especial na capital paulista, ampliariam a dimensão dos acontecimentos. A revolta popular entraria para a história e colocaria em pauta a revolução causada pela internet, a força da rede e a democratização da mídia.


Franklin Martins já parecia pressentir o poder do povo e o alcance da internet quando conversou com o Bastião a caminho do aeroporto. Ele ressaltou o papel da web como crítica da grande imprensa e a crescente participação popular na política brasileira.


Aos 64 anos, Franklin já militou no MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro), quando foi um dos mentores do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick. Teve também atuação importante como jornalista, sendo comentarista político na Rede Globo e na Rede Bandeirantes, entre outros veículos. Em 2007, assumiu o cargo de secretário de Comunicação Social do segundo governo Lula. Destacou-se por ser um dos maiores defensores da regulação da telecomunicação no país. “Tudo pode ser discutido pra imprensa, menos a imprensa”, afirma. Pois discutamos:


A dificuldade de implementação de uma regulamentação da mídia passa por uma falta de vontade política?

Primeiro: eu não defendo uma regulação da mídia de um modo geral. A mídia em papel precisa ter direito de resposta e de um judiciário que puna com rigor invasões à privacidade, calúnia, difamação, etc. Já no caso das comunicações eletrônicas, ou seja, da radiodifusão e eventualmente das telecomunicações, aí não! É um uso do espectro eletromagnético, que é um bem público, escasso, que precisa ser regulado. É absurdo que isso não seja regulado. Então, eu acho que nós estamos avançando, talvez mais lentamente do que eu gostaria, mas é um ponto que está na agenda do país hoje e há 5 anos não estava. Ele entrou na agenda e não sai, por uma imposição da mudança tecnológica que o mundo tá vivendo. É uma mudança também em função da democratização do Brasil, que começa a exigir isso. Isso é uma mudança política e econômica. Para que se entre numa sociedade da informação e do conhecimento é necessário que se resolva o problema da ampla e plural oferta de conteúdos. Isso não pode ficar concentrado na mão de meia dúzia. Essa questão é inevitável a meu ver. Agora, evidentemente eu acho que é algo que precisa da liderança do Governo porque se trata de uma concessão pública e o Governo deve liderar esse processo. E eu espero que ele lidere. Seria muito ruim se não fizesse isso.


Como o senhor vê o papel das redes sociais no sentido de analisar criticamente a mídia?

Acho que isso é algo que já vem ocorrendo. A internet vem fazendo o tempo todo uma crítica da mídia. Isso é natural e positivo. Se a mídia souber responder a isso positivamente, entender que crítica faz parte da vida – e quando a gente tem uma atitude madura diante da crítica a gente cresce –, ela melhorará. Só que a imprensa até hoje vem reagindo mal, tá mal habituada. Ela estava habituada a ficar distante de qualquer crítica. Tudo pode ser discutido pra imprensa, menos a imprensa. Então, na hora que ela começa a ser discutida, ela reage muito mal, como se estivesse sendo atacada, vilipendiada. É verdade que, às vezes, os comentários na internet, nas redes sociais, são duros e agressivos. Como a mídia, às vezes, também é agressiva. Então tudo faz parte de um processo saudável em que a mídia é exposta à visitação pública e à crítica pública. Acho que isso é muito positivo; e quem na mídia souber lidar com isso vai crescer, quem não souber vai ficar pra trá

Pra que haja uma visão crítica da rede também é necessário uma ampliação do acesso a ela. Esse processo ainda deve demorar?

Eu acho que o processo não é tão lento assim. Nos últimos anos – acho que em 3 ou 4 anos, não tenho o número exato – dobrou a percentagem da população com acesso à banda larga. Não tô dizendo que tá ótimo. Não! Tem que fazer muito mais, mas não é que esteja estagnado. Eu acho o seguinte: banda larga não é um serviço de luxo. Banda larga tem que ser igual à educação pública. A bandeira da educação pública foi fundamental para você colocar na agenda do país que tinha que dar igualdade de oportunidade pra todos. Da mesma forma que a educação pública, na década de 60, 70, foi uma coisa crucial, a banda larga barata, rápida e com capacidade de tráfego, pra todo mundo no Brasil, é fundamental. Isso não é um luxo, não é uma coisa que pode ou não pode ter. Isso é fundamental pra garantir igualdade de oportunidade, e o Governo deve jogar num papel central nisso. Qual vai ser o modelo, como se vai fazer? Sempre será uma combinação de recursos públicos e privados, mas eu acho que é algo que deve ser subsidiado, inclusive. Da mesma forma que mobilidade urbana, metrô, sem subsídio não existe. Da mesma forma que moradia popular pro setor de baixa renda, sem subsídio não existe. E a sociedade tem que subsidiar porque ela se beneficia quando incorpora num patamar mais alto esses amplos setores da população. Seja no aspecto da mobilidade, da moradia ou da internet/educação – porque internet é sinônimo de educação.


O senhor acha que o processo que está sendo discutido na Argentina [sobre a Lei de Meios] pode ser implantado de maneira semelhante no Brasil?

Eu acho que os objetivos são os mesmos. Ou seja, democratizar a comunicação, colocar mais vozes, mais produtores de conteúdo, de entretenimento, de serviços nas comunicações eletrônicas de um modo geral. Eu acho que todo país terá que adaptar à sua circunstância, à sua situação. Vou dar só um exemplo: na Argentina tem um enorme peso a TV por assinatura, o que não tem no Brasil. São diferentes os sistemas. Além disso, nós temos diferenças de cultura política. Eu acho que se a Argentina quiser copiar o Brasil ela se dá mal e vice-versa. As disputas políticas na Argentina se resolvem com uma formação relativamente rápida de maiorias que não são tão estáveis depois. Já no Brasil, nós levamos muito tempo para formar maiorias. É muito lento. Em compensação, depois que ela se forma, dificilmente volta atrás, é mais consistente, mais permanente a decisão. A Argentina é como um potro fogoso: corre, galopa, tira as quatro patas do chão, é lindo de ver, relincha, escoiceia, é uma exibição de energia monumental. O Brasil não; o Brasil é um elefante. Nós nunca tiramos as quatro patas do chão ao mesmo tempo. Tiramos só uma de cada vez, porque nós somos muito grande, e se tirar mais de uma a cada vez, capotamos. Então, nós precisamos entender isso: todos os processos políticos no Brasil, de um modo geral, foram mais lentos que os da Argentina. Isso não quer dizer que eles não tenham sido, às vezes, mais duradouros e mais consistentes. Eu não tô querendo afirmar: “Vamos nos conformar, que tudo vai andar devagar”. Mas nós precisamos entender, porque senão a gente fica com um modelo que não corresponde ao nosso jeito de ser enquanto país, ao nosso processo de construção de maiorias políticas, que é mais lento.


Muito se fala no Brasil de que temos que fazer como os argentinos, ir para a rua protestar, etc. Essa diferença de cultura é negativa ou simplesmente são duas realidades diferentes?

Não, nem eles nem nós somos melhores. São realidades culturais diferentes. Eu acho ótimo que tenha gente querendo que a gente faça o mesmo que se fez na Argentina, porque isso também faz parte do debate. Mas vai ter gente que vai dizer: “Vamos com mais calma, vamos fazer de tal jeito.” O processo de formação de maiorias políticas é mais complexo aqui do que na Argentina porque nós não temos uma grande Buenos Aires com boa parte da população. Nós temos um país imenso, continental, onde mesmo quem é muito grande, como São Paulo, não tem um papel tão decisivo como Buenos Aires. É um processo de diversidade cultural e regional diferente, ritmos diferentes. Todas as grandes decisões do Brasil demoraram muito tempo para serem construídas – pro bem ou pro mal. O final da escravidão foi horrível, nós levamos 50 anos saindo da escravidão. O final da ditadura foi uma coisa horrível também, nós levamos 10, 15 anos fazendo uma transição. Mas, em compensação, eu acho que a questão democrática no Brasil é muito consolidada. E a questão da justiça social hoje é muito consolidada também. Isso foi um processo lento de construção, mas construiu-se.


O senhor acredita que hoje o povo tem efetivamente um papel central na política?

Eu não tenho dúvida nenhuma. Nós estamos assistindo, nos últimos 10 anos, a uma mudança do Brasil, com a criação de um amplo mercado interno de massa, com o desenvolvimento de políticas públicas visando à maioria da população. Não era assim antes. Os interesses da maioria da população passaram a prevalecer na política. Evidentemente isso é um objeto de disputa o tempo todo. Mas você vê: eles eram contra o Bolsa Família, era “Bolsa Esmola”. Hoje em dia eles não conseguem nem abrir a boca mais contra isso. E eu tô citando isso, mas poderia citar mais outras dezenas de exemplos. Ou seja, os interesses das grandes maiorias estão, hoje em dia, presentes no centro da agenda política nacional e da disputa política. Isso é formidável. Por isso os setores conservadores perderam três eleições pra Presidente, e acho que vão perder a próxima. Por quê? Porque eles falam pro passado.


Isso significa que se construiu, e foi lento. O Lula, que foi candidato cinco vezes, só na quarta foi ganhar. Olha como é lento nosso processo de construção de uma maioria pra dizer: “Inclusão social é fundamental para nós sermos um país próspero, justo e democrático.” Olha como isso foi demorado. Mas construiu, botou lá dentro

Falando um pouco da sua trajetória. Durante 8 anos o senhor trabalhou como jornalista na Rede Globo. Queria saber como foi sua atuação lá, já que muito da sua visão não condiz com o que a Globo acredita. Ou o senhor não vê assim?

Eu acho que o meu período lá coincidiu com o melhor momento do jornalismo da Globo, que vai de noventa e tantos até 2005. Um período onde a Globo viu que tinha que mudar sua imagem e fez uma operação de mudança, que implicava em pluralidade, abertura para outros pontos de vista. Isso começou no jornal O Globo, onde eu trabalhei. E eu fui trabalhar na TV Globo porque foi um momento de pluralidade. Quando veio 2005, a Globo acabou com a pluralidade e o símbolo disso foi, de certa forma, a minha saída da Globo. Ela não conseguia mais conviver comigo.


O que aconteceu em 2005?

Foi o mensalão. A cobertura da Globo do mensalão foi como se estivesse diante do maior caso de corrupção na História da República, compra de votos, que não houve... E todo dia uma denúncia nova que deixava de lado depois. E eu dizia: “Vamos atrás do dinheiro?”. Meus comentários eram: “De onde vem o dinheiro do Valerioduto?” E a Globo se recusava a investigar isso, porque se investigasse enfraquecia suas teorias. Mas a Globo resolveu acabar com o pluralismo e voltar a uma coisa que tá no seu DNA: ela quer comandar o país. Não comanda mais, mas continua querendo. E voltou em 2005 achando que iria retomar o controle do país. E foi derrotada, tanto nas eleições de 2006 quanto na de 2010, e espero que seja derrotada nas eleições de 2014. Então isso foi um momento. Eu vou dizer que trabalhei lá sem maiores problemas, porque foi um período muito bom da Globo. Chegou uma hora que não deu mais. Isso é normal, jornalista vive sendo demitido de jornal, televisão, rádio, quando os patrões chegam à conclusão de que precisam fazer algum movimento.

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